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Onde a Casa Mora?

Na Vila Romana, assim como na maior parte dos bairros da cidade, a casa mora em meio a um campo de batalha, lugar hostil, cheio de armadilhas e disputas desonestas.

Hoje as casas são condenadas, expulsas de seu próprio habitat, suas raízes são arrancadas ferozmente em detrimento de todos seus encantamentos e memória.

O Coletivo das Vizinhas é formado por um grupo de mulheres cujas casas se encontram em situação de risco, desamparo e suscetíveis às imposições da especulação Imobiliária.

O projeto “Onde a Casa Mora ?” propõe um exercício de atenção sobre a casa e seu entorno. 

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Onde a Casa Mora?  É o nome do projeto que surge dentro de um contexto urbano tomado por ações da especulação imobiliária.

O projeto pretende investigar um processo identitário desafiante, excluindo qualquer conotação de recaída nostálgica ou meramente voltado à narrativa rememorativa. A intenção é criar ambientes relacionais na atualidade, mesmo que mobilizem o passado, e que impulsionem por conta disso livres pensamentos, novos olhares, possibilitando que cada cidadão possa acrescentar sua própria visão sobre o que lhe é apresentado.

O projeto surge na Casa Amarela da Vila Romana, imóvel em estágio de tombamento, lugar de convívio cultural e coabitado pela comunidade. É nesse ambiente que se forma um coletivo de vizinhas, mulheres com idade que variam de 75 a 84 anos, moradoras muito antigas do bairro, e que atualmente sofrem graves abalos causados pelo mais recente empreendimento imobiliário na região, no coração de suas habitações, relativamente próximas umas das outras. O componente espacial é fulcral, e nele existe como que um adensamento da memória, misturando história privada e pública.

O projeto Onde a Casa Mora? ocupa o espaço interno da Casa Amarela da Vila Romana, com a exposição dos trabalhos realizados pelo Coletivo das Vizinhas, e se desdobra em uma ação no espaço público com o título “Coisas do Saber”: textos com relatos sobre o modo de vida na Vila Romana antiga, sua estrutura urbana e lugares de convívio. Os textos de “Coisas do Saber” serão apresentados em forma de sticker (papel adesivado) que será afixado nos postes de ruas do bairro.

O Coletivo das Vizinhas é formado por mulheres que habitam lado a lado, que vivem em casas contíguas e que se deixam imaginar e afetar.

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Para as construtoras dos grandes empreendimentos imobiliários as casas não possuem nenhum valor, mas seus terrenos são cobiçados.

A ação de medição das casas, feita pelas vizinhas, sinaliza e potencializa os valores afetivos e territoriais dos imóveis. A união dos fios com as medidas das seis casas formam o contorno do mapa de resistência. Os territórios demarcados no interior do mapa são formados pelas estampas das roupas das vizinhas.

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Instalação Moradias

A obra é composta por seis vestidos de voil branco representando o Corpo/Casa de cada mulher do Coletivo das Vizinhas.  A altura de cada vestido corresponde à altura de cada vizinha e os endereços bordados nos bolsos identificam seus lugares de moradia. A natureza pulsa no interior de cada vestido através do respiro de uma planta.

A realização da Instalação Moradias foi uma parceria entre a artista Janice de Piero e a vizinha Iramaia Sganzerla (costureira e modelista).

 

O importante não é a casa onde moramos. Mas onde, em nós a casa mora.  Mia Couto

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Coisas do Saber

Coisas do Saber é uma ação que se expande no espaço público, é um desdobramento do projeto “Onde a Casa Mora?”.

A ação surgiu a partir de relatos espontâneos feitos pelo Coletivo das Vizinhas sobre o modo de vida na Vila Romana antiga, sua estrutura urbana e lugares de convívio. Essas histórias orais  foram transformadas em textos e apresentadas em forma de sticker (papel adesivado). O material recebeu tratamento gráfico realizado pelo designer Gustavo Piqueira, foi afixado e distribuído pelos postes das ruas do bairro da Vila Romana.

Coisas do Saber se consolida como um fio “dilatado”, que une presenças e temporalidades.

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Coletivo das vizinhas

COLETIVO CURATORIAL

Onde a Casa Mora?

 

O projeto “Onde a casa mora?”, organizado pelo Coletivo das Vizinhas da Vila Romana, coordenada por Janice de Piero, cultiva a memória coletiva do bairro. Ele persegue os depoimentos das senhoras que, de uma maneira ou de outra, vivenciaram, diretamente ou por meio de membros de suas respectivas famílias, os espaços de uma cartografia fabril hoje quase apagada pela violenta especulação imobiliária em curso. Essa última expulsa não só os antigos moradores, mas também as suas memórias, uma vez que o passado é considerado como indigno da nova marca “moderna” e rica do bairro. Sem identidade com os antigos moradores, os novos esbarram nas calçadas com personagens dos quais não têm a menor idéia da riqueza de suas trajetórias profissionais, também elas evanescentes: nem o alfaiate Pedroso, nem o artesão dos presépios Walter Altieri , nem o miniaturista Silvio Tambalo (Talim), nem o tapeceiro Sérgio Durval de Pieri são reconhecidos como patrimônio humano que faz com o patrimônio industrial construído um pendant inquestionavelmente coerente. Uns e outros estão indo, sem que ninguém se dê conta disso. O relato das vizinhas é apenas uma escavação desse passado rico; o passeio por aquilo que um dia foi o bairro, conduzido por alguém que vivenciou a transição entre os dois momentos (o morador e pesquisador Leonardo Mello e Silva), e que portanto pode tentar uma reconstrução imaginária desse “mapa”, é o outro lado do projeto.

 

Leonardo Mello e Silva

Prof. de Sociologia da Universidade de São Paulo/USP

 

 

Onde a Casa Mora?

 

Há anos Janice pratica o cuidado na sua relação com os vizinhos e o lugar em que mora. O Mover (Movimento contra a verticalização) formou-se a partir de iniciativa sua e envolveu muita gente moradora do bairro, que durante 10 anos pressionou o poder público para impor limites à verticalização na Vila Romana. A Casa Amarela é um espaço de cultura e arte aberto à população – que recebe visitas espontâneas para as exposições e rodas de conversa e visitas agendadas de estudantes de escolas da região – e é permanentemente ativado por suas propostas e curadoria. 

“Onde a casa mora?” me parece um trabalho de cuidado de alguém que agora olha para a própria rua, para as vizinhas que acompanharam a sua história e que, juntas, puderam olhar e falar sobre suas casas de maneiras inteiramente novas. Cuidado de quem se socorre - em meio a um modo tão leviano e destrutivo de viver e gerir a cidade - com a vida e, como educadora e artista, ajuda a elaborar e a acolher os sentidos e as experiências das moradoras. 

Desde fevereiro, em encontros às sextas-feiras, Janice e seis de suas vizinhas escreveram, desenharam, pintaram, mediram, cartografaram afetos presentes nos espaços das suas casas e do bairro. Foram os “laboratórios”, cujas produções também poderão ser conhecidas nesta exposição.

Obrigada, Janice, por este novo convite à delicadeza.

 

Helena Freire Weffort – historiadora e educadora, participou da elaboração do projeto educativo da 33ª Bienal e da publicação “Convite à Atenção”.

 

 

Onde a Casa Mora?

 

O conjunto de ações e as obras da exposição Onde a casa mora?, de Janice de Piero, me

fizeram pensar sobre a minha própria moradia, residência, estadia, companhia, vizinhança. Ao acompanhar o processo da artista, minhas memórias trouxeram de volta a imagem dos rostos de amigas de minha mãe, as vizinhas que cuidavam umas das outras assim como das crianças de todas elas. Assim, viver o processo de criação de Janice e de suas vizinhas atualizou a casa e as experiências de minha infância. A Casa Amarela, de novo, nos convida ao resgate do que fomos e do que somos na mais autêntica vida em comunidade.

 

Cibele Lopresti Costa

Doutora em Literatura Portuguesa - Universidade de São Paulo – USP. Mestre em Literatura e Crítica Literária pela Pontifícia Universidade de São Paulo. Criadora do Clube de Leitura da Casa Amarela da Vila Romana.

 

Onde a Casa Mora?

 

Nós, geógrafos (as), trabalhamos com a paisagem, o território, o rural, o urbano, a cidade, o bairro... É no território que vivemos, é nele que estabelecemos nossas relações cidadãs, é onde criamos nossas referências, é onde imprimimos um pouco de cada um de nós, é onde travamos nossas lutas por uma sociedade mais igualitária e justa! E a Casa é a menor escala desse conjunto. A Casa é nosso abrigo e refúgio! Nós moramos na Casa e ela mora em nós. A Casa está impregnada de nossos valores, de nossa cultura, de nosso passado... Ela significa identidade, é nosso lugar no mundo... É por conta disso, que as pessoas mais vulneráveis, vivendo em assentamentos urbanos precários, querem ter um endereço, um nome de rua, um número... Querem sentir-se parte da cidade, querem imprimir na Casa um pouco ou muito de seu eu, querem viver a cidadania em sua plenitude!

 

Ros Mari Zenha, Geógrafa, Pesquisadora do Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo – IPT, Moradora e Participante dos Movimentos de Cidadania da Zona Oeste de São Paulo

 

 

Onde a casa mora?

 

Janice de Piero concilia duas trajetórias profissionais, é professora e artista. Para ela há interrelação entre os dois trabalhos na medida em que “a sua prática criativa é um instrumento renovador. Ser artista, ser professor, exige movimento, percepção, parceria, colaboração”. Para ela, a convergência de seus dois ofícios está na proposição de encontros. Ela considera que as duas atividades “se complementam, conflitam e geram forças” (DE PIERO, 2015)[1].

Janice vem convidando suas vizinhas da Vila Romana a resgatarem suas memórias e a realizarem proposições artísticas. Elza Fabossi, 84 anos, Elza Prebianchi, 75 anos, Iramaia Sganzerla. 75 anos, Cida Altieri, 77 anos, Maria Luiza Prebianchi, 77 anos e Ondina Braga, 77 anos reúnem-se semanalmente no ateliê da artista, local onde desenvolvem uma série de experiências. Histórias de vida, lembranças do bairro e a passagem do tempo são alguns dos assuntos que emergem em suas criações.

Nessa toada, Janice faz encontrar os ofícios de “artista-propositora” e “professora-propositora”. O termo “professor-propositor” é advindo do conceito de “artista-propositor” de Lygia Clark (1920-1988) e Hélio Oiticica (1937-1980)[2]. O “professor-propositor” seria “aquele que propõe a experiência com problematizações e escolhas, gerando ‘estados de invenção’” (MARTINS; PICOSQUE, 2012, p. 78)[3], distanciando-se de ações apenas executórias. Desse modo, são propositores quando levam em “consideração o valor da cultura da sensibilidade, da experimentação, da pesquisa e da interação na formação humana e instaurando experiências artísticas e estéticas fu

 

[1] Trecho da entrevista de Janice de Piero concedida à Diana Tubenchlak para pesquisa de mestrado, São Paulo, maio de 2015. PERES, Diana T. Um pé em cada canoa: professores de artes entre museus e escolas. 2017. 196 f. Dissertação (Mestrado em Artes). Instituto de Artes- Universidade Estadual Paulista- IA/UNESP, São Paulo, 2017.

[2] As experiências de Lygia Clark e Hélio Oiticica trouxeram a participação do público a partir da desmistificação da arte e do artista e do reposicionamento do espectador – que se distancia do papel de fruidor passivo e passa a envolver-se corporalmente com as proposições dos artistas. Parte de suas obras consiste em proposições para o público, que, ao participar, ativa a obra.

[3] MARTINS, Mirian Celeste; PICOSQUE, Gisa. Mediação cultural para professores andarilhos na cultura. São Paulo: Intermeios, 2012.

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REFERÊNCIAS

BACHELARD, Gaston. A poética do Espaço. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

BOURRIAUD, Nicolas. Estética Relacional. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

LEITÃO, Lúcia. Onde Coisas e Homens se Encontram: cidade, arquitetura e subjetividade. São Paulo: Annablume, 2014.

MAM, Museu de Arte Moderna. Razão e Ambiente. São Paulo: Museu de Arte Moderna de São Paulo, 2011.

ONO, Yoko. ACORN. São Paulo: Editora Bateia, 2014.

SILVA, Armando. Atmosferas Urbanas. Grafite, arte pública, nichos estéticos. São Paulo: Edições SESC São Paulo, 2014.

VISCONTI, Jacopo C. Novas Derivas. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014.

WISNIK, Guilherme; MARIUTTI, Julio. Espaço em Obra. São Paulo: Edições SESC São Paulo, 2018.

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