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Casa Amarela

 

EXPOSIÇÃO - VIRTUDES DAS ÁGUAS SINCERAS

 

De Janice de Piero

 

Há anos acompanho a produção artística de Janice de Piero. Tive a oportunidade de ver suas

peças em madeira e suas bonecas ressignificadas, trabalhos que me impressionaram pelo trato

particular de materiais tão distintos. Embora suas obras anteriores tenham me impressionado

deveras, as que compõem essa nova exposição me atravessaram de maneira única. Dessa vez,

Janice mostra que passou pelo seu próprio processo de decantação, posto que seu olhar

parece ajustado aos detalhes, ao simples e ao valoroso.

Em Virtudes das águas sinceras, vê-se que ela seguiu o rastro das “inofensivas larvas” para

reconhecer seus próprios traços, formas e sentidos; que soube esperar água e anil articularem

significados e que, pacientemente, soube ler o resultado da operação que o tempo fez em seu

bairro.

Assim, o conjunto dessa exposição reflete seu pleno desejo de adotar novos pontos de vista e

sua abertura para novos gestos artísticos. Para o público, a exposição é uma porta para a

própria interioridade, um convite para a experiência da decantação dos próprios sentidos.

 

Cibele Lopresti Costa

Curadora

 

Doutora em Literatura Portuguesa pela USP, mestre em Literatura e Crítica Literária pela

PUC/SP. Professora em cursos de Pós-Graduação e mediadora em oficinas para a formação de

professores. Autora de livros didáticos e paradidáticos. Mediadora do clube de leitura da Casa

Amarela da Vila Romana

 

EXPOSIÇÃO - VIRTUDES DAS ÁGUAS SINCERAS

Janice de Piero

Virtudes das Águas Sinceras é o título da nova exposição em cartaz na Casa Amarela. Dessa vez, as obras da artista Janice de Piero realçam as qualidades estéticas que surgem quando água e anil são trabalhados pelo tempo e pelo espaço.

                                                                   Virtudes das Águas Sinceras, obra que deu origem à exposição.

O anil é uma substância retirada da natureza, das folhas da anileira. O anil, além de ter a propriedade de branquear a roupa durante o enxágue, também é usado para limpeza espiritual, pois, segundo a tradição popular, afasta os espíritos de baixa vibração e restabelece o equilíbrio daquele que usa, assim como do ambiente.

A obra Virtudes das Águas Sinceras surgiu a partir da observação do desenho fixado no fundo de uma bacia de alumínio. Ao longo de semanas, inocentes larvas de insetos se movimentaram no fundo do recipiente com água e anil decantado, produzindo desenhos inusitados.

 

Desenho realizado na bacia por larvas de insetos sobre anil e água.

 

A descoberta do trabalho engenhoso das larvas sugeriu um ensaio fotográfico. Nele, pode-se ver a aproximação e a elaboração de novas composições decorrentes desse bordado fortuito.

No processo de investigação e pesquisa sobre o anil, a artista apropriou-se de conceitos da estética relacional e da pós-produção, criando objetos, instalações e áudio visual com a intenção de oferecer ao público lugares para meditação sobre a matéria e a alma.

Natureza Sincera, A Casa Amarela

O bairro da Vila Romana, em sua origem, não surgiu pela motivação especulativa do mercado. Pelo contrário, as terras da região foram ocupadas de maneira harmoniosa, considerando-se valores íntegros de socialidade e de respeito à natureza. Em ambientes de sinceridades, o bairro cresceu e abrigou uma comunidade simples e rica em gestos de coletividade.

Hoje, em tempos de especulação imobiliária, o bairro vive a destruição cultural e ambiental. Há, entretanto, de se considerar a atitude política de alguns moradores para resgatar lugares de humanidade e de afetos através da arte, como exemplo da Casa Amarela. Para a nova exposição do local, o anil e a água foram eleitos para, através de suas materialidades, dilatar imaginações, expandir relacionamentos e afetos.

Obra - Virtude das cozinhas vizinhas

 “A obra de Arte apresenta-se como um interstício social o

qual são possíveis essas experiências e essas novas

possibilidades de vida: parece mais urgente inventar

relações possíveis com os vizinhos de hoje do que entoar-

loas ao amanhã”.

                    

Estética Relacional, de Nicolas Bourriaud

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A obra Virtudes das Cozinhas Vizinhas amplia relações entre vizinhos. Cada um deles foi convidado a eleger um objeto da cozinha que representasse suas virtudes. Por meio da escolha de objetos simbólicos, a comunidade pôde reviver, confirmar e compartilhar suas qualidades virtuosas.

A proposição da escolha gerou ricos momentos de imaginação e de reflexão, já que os moradores convidados foram obrigados a relacionar virtude e objeto da própria cozinha. Daí surgiram espontaneamente muitas histórias, confissões e memórias. A escolha do objeto concebeu gestos de brandura e aflorou sentimentos.

Para compor o gesto ético-estético, vasilhas com água de anil foram inseridas no cenário, reforçando a materialidade das subjetividades. Assim, construiu-se um “campo operatório” entre afetos e materialidades.

Para a artista Janice de Piero, o ato de fotografar a cozinha, lugar naturalmente marcado por encontros e convívios, despertou sentimento de orgulho, de afeição e de alegria nos vizinhos. A ideia de reunir as imagens dessas cozinhas e de seus objetos de virtude potencializou forças e subjetividades individuais. Além disso, constituiu um sistema de aproximação que, por meio da circulação de conversas entre vizinhos, promoveu empoderamento coletivo.  Essa dinâmica relacional resultou na composição de um áudio-visual.

As imagens produzidas nesse processo estão na Casa Amarela, a mais antiga do bairro.  Cercada por antigos e novos vizinhos, a casa abriga o projeto que é apresentado, compartilhado, vivenciado e expandido em impensáveis desdobramentos.

Como surgiu o projeto Virtude das Cozinhas Vizinhas

 

Durante os 60 anos que resido na Vila Romana, em casas herdadas pela família e cercada por familiares e antigos vizinhos, tive a oportunidade de desenvolver intimamente um estado de pertencimento a esse lugar.

Minhas principais referências de vida, de identidade e de valores se formaram junto a essa comunidade que, assim como eu, está sendo oprimida, maltratada e expulsa pelo mercado imobiliário. Ao redor da Casa Amarela tenho vizinhas que conviveram com minha avó, com meu pai, com minha mãe e que por isso tenho vínculos profundos.

O fato de uma corretora de imóveis assediar a vizinhança para a venda de seus imóveis, visando a construção de um grande empreendimento imobiliário, tornou urgente minha necessidade de criar, através da arte, circuitos de vivências. É urgente que aproveitemos essa natureza de relacionamentos afetivos, culturais, já que correm o risco de sumirem e de se apagarem súbita e eternamente.

Diante de uma especulação imobiliária sem escrúpulos e predatória no que se refere ao campo ambiental e das relações humanas, resta resgatar o que há de mais puro e genuíno nessas cozinhas iluminadas por doces memórias individuais e coletivas.

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VIRTUDES DAS ÁGUAS SINCERAS

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